Mais do que uma simples distribuição, o dividendo é a voz da gestão, um sinal claro sobre a confiança no futuro da empresa.
A decisão de dividendos é um dos tópicos mais discutidos e, por vezes, controversos das finanças corporativas. O dilema central não é apenas como distribuir os lucros, mas se a política de distribuição tem algum impacto sobre o valor da empresa. A literatura de finanças, como apresentada por Stephen Ross, Randolph Westerfield e Jeffrey Jaffe, aborda essa questão a partir de um debate teórico fundamental, que é então enriquecido com as fricções do mundo real.
1. O Debate da Relevância dos Dividendos: M&M vs. A Vida Real
A discussão sobre a relevância da política de dividendos começa com a proposição da irrelevância dos dividendos, formulada por Modigliani e Miller (M&M). Em um mercado de capitais ideal (sem impostos, custos de transação ou assimetria de informação), a política de dividendos seria irrelevante. A lógica é simples: o valor de uma empresa é determinado por seus ativos e por sua capacidade de gerar fluxos de caixa futuros, e não pela forma como esses fluxos são divididos entre os acionistas. Segundo a M&M, um dividendo distribuído hoje resultaria em uma desvalorização equivalente do preço da ação, mantendo o valor total inalterado. O acionista é indiferente a receber seu retorno como dividendo ou como ganho de capital.
No entanto, a proposição da M&M se baseia em premissas que não existem no mundo real. Ao remover a perfeição do mercado, a política de dividendos se torna relevante, principalmente por três razões:
Teoria do "Pássaro na Mão": Muitos investidores preferem a certeza de um dividendo no presente em vez da incerteza de um ganho de capital futuro, que está sujeito a maior risco. Essa preferência por retornos certos pode aumentar o valor das ações de empresas que pagam dividendos.
Impostos e Custos de Transação: Em muitos sistemas tributários, dividendos e ganhos de capital são tributados de forma diferente. Além disso, a venda de ações para criar um "dividendo caseiro" incorre em custos de corretagem, o que faz com que a política de dividendos da empresa seja a forma mais eficiente para o acionista obter seu retorno.
Assimetria de Informação e Sinalização: Na visão de Ross, Westerfield e Jaffe, a política de dividendos é uma poderosa ferramenta para a gestão sinalizar ao mercado informações sobre a saúde e as perspectivas futuras da empresa. A gestão, por ter acesso a informações privilegiadas, usa as mudanças na política de dividendos para comunicar seu nível de confiança.
2. O Sinal Complexo: Dividendos, Dívida e a Teoria da Hierarquia
Um dos sinais mais fortes que uma empresa pode enviar ao mercado é o aumento de dividendos, financiado pela emissão de dívida. Conforme discutido por Ross e Myers na Teoria da Hierarquia das Fontes de Financiamento (Pecking Order Theory), as empresas preferem usar fontes de financiamento em uma ordem hierárquica: 1) fundos internos (lucros retidos), 2) dívida, e 3) novas ações.
Nesse cenário, a empresa usa sua fonte de financiamento mais barata — lucros retidos — para pagar o dividendo, sinalizando aos investidores sua solidez financeira. Em seguida, para financiar projetos de investimento com alto VPL, a gestão recorre à dívida, que é a próxima fonte de financiamento preferencial.
Essa ação dupla envia uma mensagem robusta: a empresa está confiante em sua capacidade de gerar lucros futuros para manter os dividendos e está assumindo dívida para financiar oportunidades de crescimento tão rentáveis que justificam o aumento da alavancagem. O mercado, ao interpretar esse sinal de confiança e oportunidade, tende a reagir positivamente, elevando o valor da empresa.
3. A Política de Dividendos no Ciclo de Vida da Empresa
Na prática, a política de dividendos está diretamente relacionada às oportunidades de investimento da empresa, que, por sua vez, são um reflexo de seu estágio no ciclo de vida. A abordagem do dividendo residual, um conceito central em finanças corporativas, sugere que os dividendos são o que resta após a empresa financiar todas as suas oportunidades de investimento lucrativas.
Fase de Crescimento: A empresa possui muitas oportunidades de investimento com VPL elevado. Conforme a teoria de Ross e Damodaran, o capital é mais bem empregado no financiamento do crescimento do que na distribuição de dividendos. A política de dividendos é de baixa prioridade, com alta retenção de lucros e pagamentos baixos ou nulos.
Fase de Maturidade: As oportunidades de crescimento se tornam menos frequentes. O fluxo de caixa excede a necessidade de investimento. A política de dividendos se torna mais importante, com a empresa buscando a estabilidade e a previsibilidade, pagando dividendos regulares e consistentes.
Fase de Declínio: Oportunidades de investimento com VPL positivo são escassas. Reter lucros seria uma decisão destrutiva de valor. A política de dividendos, nesse estágio, é de distribuição total do caixa excedente, frequentemente por meio de dividendos elevados ou de programas de recompra de ações, conforme a visão de autores como Berk e DeMarzo.
A política de dividendos, embora teoricamente irrelevante em um mercado ideal, é uma ferramenta fundamental de gestão e comunicação em um mundo de fricções. Ela reflete as três decisões mais importantes de finanças corporativas — investimento, financiamento e dividendos — e, quando usada de forma coerente com a estratégia da empresa e seu ciclo de vida, torna-se um dos mais eficazes mecanismos de criação de valor para o acionista.
Use os simuladores abaixo para exercitar as propostas das teorias sobre decisão de dividendos nas empresas.